Filme “O Abismo” da Netflix e o desastre em Maceió
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No século XIX, a Inglaterra já se encontrava urbanizada em decorrência de ter sido a pioneira na Revolução Industrial, ocorrida no século anterior. Cidades como Manchester, Leeds e Londres cresciam e atraiam inúmeras pessoas de diferentes classes sociais.
Em 1854, a metrópole Londres contava com dois milhões e meio de habitantes, sem uma adequada infraestrutura pública de saúde, saneamento básico e coleta de lixo. Os excrementos humanos eram despejados em fossas, e sua limpeza, era feita por profissionais que cobravam caro pelo trabalho sujo.
Com a popularização dos vasos sanitários e a invenção da descarga, as fossas começaram a se encher rapidamente, gerando a necessidade de uma limpeza com maior frequência. O alto custo no entanto, fez com que muitos optassem por deixá-las sujas, criando amontoados de dejetos por toda a cidade de Londres, muitas vezes concentrados em tanques e secando a céu aberto.
Um episódio conhecido como “Grande Fedor”, ocorrido em junho de 1858, nos dá a dimensão da situação em Londres. Era verão, e uma onda de calor juntamente com a poluição do rio Tâmisa provocaram um mal cheiro que assolou toda a cidade. Soma-se a esse ambiente a presença das fábricas, fornalhas e animais que circulavam na cidade.
O primeiro caso de cólera que se tem conhecimento data de 500 a.C., onde há o registro de uma doença responsável por drenar todo o líquido do corpo levando as vítimas a morte. Por cerca de 2000 anos, a cólera ficou restrita a região que abrange o subcontinente indiano, antiga colônia britânica.
A doença vem da bactéria Vibrio cholerae, que passa a ser nociva ao ser humano após a ingestão de uma quantidade em torno de um a cem milhões de organismos. A bactéria ataca o intestino delgado, responsável pela absorção e distribuição de água no corpo. Ao ser contaminado, o órgão passa a expelir água em níveis elevados, juntamente com mais Vibrio cholerae, que se multiplicam na casa dos milhões.
No século XIX, a doença se espalhou pelo mundo, sem que houvesse o conhecimento de sua causa, atingindo além da Ásia, a América e a Europa. Quando esta bactéria chegou na caótica Londres com fossas e bombas de coleta d’água convivendo lado a lado, sua difusão ocorreu em poucos dias, ceifando a vida de milhares de pessoas.
Em uma época de quase desconhecimento sobre os microrganismos, as hipóteses para a causa da doença eram o contágio direto, assim como a gripe, ou o miasma, que é a transmissão pelo ar em ambientes insalubres.
Apesar destas hipóteses sobre a causa da cólera serem as mais aceitas pela comunidade científica na época, elas não conseguiram convencer o médico John Snow. Baseando-se na hipótese de que a cólera era transmitida pela água contaminada, John Snow desenhou um mapa para representar o surto de cólera no distrito de Soho.
As mortes foram simbolizadas por grossos traços pretos, o traçado das ruas por linhas e as bombas d´água por pontos, como pode ser visto no recorte do mapa na imagem abaixo.
O mapa que foi considerado o primeiro temático da história, apresentou um resultado gritante a respeito dos casos de cólera: das 13 bombas d´água presentes, 11 não apresentavam casos nas proximidades, enquanto a bomba da Broad Street concentrava o maior número de mortes. A sensação ao observar o mapa por completo, é de que a cólera se espalhava a partir de um único ponto: a bomba da Broad Street.
Por meio do mapa era possível refutar a teoria do miasma e do contágio direto, a partir deste padrão concêntrico da difusão dos casos a partir da bomba da Broad Street, sendo visualmente mais simples de provar o contágio pela água do que explicar que o culpado eram microrganismos invisíveis aos olhos humanos. Com isso, John Snow conseguiu a aprovação para o fechamento da bomba da Broad Street, contribuindo para salvar a vida de milhares de pessoas.
John Snow faleceu em junho de 1858, não por ser vítima de cólera em meio ao miasma do “Grande Fedor”, mas sim por ser acometido por um derrame. Assim como outros cientistas, não viveu para desfrutar da importância de seu trabalho para a epidemiologia e também para a cartografia. Nem sequer em seu obituário foi citada a sua contribuição científica para desvendar a transmissão da cólera, já que a teoria da transmissão atmosférica ainda era a mais aceita, mesmo com todas as evidências apontando para a água.
O cientista não chegou a conhecer uma das maiores obras de engenharia do século XIX, o sistema de linhas de esgoto de Londres, iniciado após sua morte. Seu trabalho foi reconhecido somente anos mais tarde pelo Conselho de Saúde Pública do Reino Unido, em 1866, após seus estudos servirem de referência para a contenção do último surto de cólera em Londres, causados pela contaminação da água da East London Water Company.
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