Ao assistir o vídeo onde cometeram o assassinato, tive a sensação de perda de fôlego, tristeza e aperto no peito com uma angústia que quase impedia de chegar ao final. E não, não é necessário ver o vídeo, este ou de outras violências direcionadas a pessoas negras e racializadas para entender a violência existente em uma sociedade fundada na escravidão e que ainda hoje se estrutura sobre o racismo. 

Foram 28 golpes com um taco de beisebol. Toda essa violência, não se justifica por outro motivo que não seja o ódio ao outro, a um outro corpo negro, a outro corpo que desterritorializado, se territorializou no Brasil desde os 11 anos em busca de uma vida digna com sua mãe Ivana Lay e irmãos. Mas por que Moïse saiu do Congo e de onde veio o ódio capaz de tirar a vida de Moïse?

A saída da República Democrática do Congo

Moïse é só mais um dos tantos congoleses que deixam a República Democrática do Congo, o segundo maior país do continente africano e um dos mais pobres do mundo, que enfrenta duros conflitos em disputas étnicas e por recursos naturais (diamantes, cobre, cobalto, ouro, etc.), heranças do imperialismo europeu.

Moïse é da etnia Hema, que está envolvida em uma guerra civil tribal com os Lendu, na região de Ituri. Os conflitos entre as duas etnias de pastores e agricultores que vivem no nordeste do país já foram piores, durante a guerra civil que durou até 2003, mas os conflitos persistem até os dias atuais.

Atualmente a situação do país é considerada de emergência nível 3 pela ONU (Organização das Nações Unidas), um dos mais altos graus de necessidade de ajuda. Quem comanda a missão de paz no país é o brasileiro General Marcos de Sá Affonso da Costa.

A busca por refúgio e a migração interna e externa no país são constantes. De 2017 a 2019, 5 milhões de pessoas se deslocaram internamente e milhares fugiram para nações vizinhas. Mesmo sendo um barril de pólvora, a República Democrática do Congo ainda recebe refugiados de países que também se encontram em conflitos, como Burundi, República Centro-Africana e do recém país independente em 2011, Sudão do Sul.

Na década de 1990, a República Democrática do Congo recebeu refugiados do conflito em Ruanda, onde grupos da etnia hutu promoveram um genocídio sobre os tutsis, resultando na morte de cerca de 800 mil pessoas em apenas três semanas.

Mapa dos conflitos na África ocorridos na década de 1990 com a sobreposição das fronteiras étnicas.

Ainda assolada por conflitos, entre 2011 e 2020, 1.050 congoleses se refugiaram no Brasil, segundo o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) do Ministério da Justiça.

Quem matou Moïse?

Quem o matou não foi um burguês de terno, nem um empresário que vive no Leblon. A vida dele foi impedida por semelhantes, por trabalhadores que dificilmente vivem nas zonas mais caras do Rio de Janeiro e isso é o pouco que poderia afirmar até agora. Mas é a origem dessa violência que devemos questionar (e lutar contra), e sua origem é intrinsecamente ligada à barbárie capitalista.

Sua morte é fruto de uma normalização da violência ao corpo negro, do machismo e da construção social do que é ser homem num CIStema patriarcal, da coisificação do sujeito imigrante, da desterritorialização, da precarização e não garantia de direitos trabalhistas.

Quem mantou Moïse reproduz uma violência sustentada pela sociedade que a normaliza, que assiste diariamente os programas jornalísticos policiais onde o corpo negro e periférico é mostrado como o que reproduz e exerce a violência, aquele que é o traficante na favela, a empregada doméstica ou aquele que transporta drogas nos aeroportos.

Racismo estrutural

A construção do que hoje chamamos de racismo estrutural, é perpetuado social, político e culturalmente em distintas escalas que são catalisadas por um sistema que por essência desumaniza, coisifica, mercantiliza a vida, a natureza e as interações.

A soma lamentável do todo que nos estrutura enquanto sociedade, poderia ser lido como uma guerra, onde aqueles que impulsionam desejos, inclusive os de morte estão sentados no topo de uma pirâmide, deliciando-se em um banquete, brindando ao lucro enquanto nós, aqui embaixo estamos nos banhando de sangue e as vezes por 200 reais.

Quem tirou a vida de Moïse não foram os donos do poder, mas são os donos do poder que legitimam e operam essa morte e de tantas outras e outros, negras, negros, LGTBQI’s, indígenas e a população pobre e periférica.

A justiça para Moïse Kabamgabe não é somente a prisão de quem cometeu o crime, é a reparação histórica que nós brasileiros, devemos ao povo negro. É o enfrentamento cotidiano a todas as formas de racismo e exploração dos trabalhadores.

No sábado (05/02), terá um ato cobrando justiça para Moise. Que ocorrerá em frente ao quiosque Tropicalia, posto 8, na Barra da Tijuca, às 10 horas.

#JustiçaporMoïse #VidasNegrasImportam

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