A história do filme “O Abismo”

“O Abismo” é um filme sueco disponível na Netflix, inspirado na história ocorrida na cidade de Kiruna, localizada no norte da Suécia. A trama gira em torno de uma atividade sísmica significativa em uma cidade onde há a mineração de ferro, levando à sua destruição.

A narrativa foca em Frigga, a gestora de segurança da mina, enquanto ela enfrenta os desafios de evacuar a cidade e lidar com as consequências pessoais do desastre. O filme mescla um evento real – um terremoto causado pela mineração em Kiruna em maio de 2020 – com uma história ficcional, destacando o drama humano em meio a um desastre causado por atividades de mineração​​​​.

O caso real da cidade de Kiruna na Suécia

Kiruna, a cidade real por trás do filme, está passando por um processo de realocação devido ao impacto da mineração de ferro operada pela empresa estatal Luossavaara-Kiirunavaara AB (LKAB), que provocou rachaduras e instabilidade no solo. A cidade inteira está sendo movida a três quilômetros de distância para evitar o afundamento, com os residentes tendo um papel ativo no planejamento da nova cidade.

Este processo inclui a transferência de edifícios significativos, como a icônica igreja de Kiruna, e está previsto para ser concluído até 2035. A mineração é vital para a economia local, mas também levanta preocupações ambientais e sociais, especialmente entre os Sámi, o povo nativo da região​​​​.

Processo de mudança de residências para o novo centro de Kiruna. Disponível em: Kiruna Lapland.

Apesar dos riscos causados pela maior mina subterrânea do mundo, que provoca mais de 100 tremores de terra por ano, a tragédia retratada não passa de uma ficção inspirada na realidade. As fendas que se abrem no solo e engolem a cidade de Kiruna no filme não são reais. Estima-se que a cidade irá afundar gradualmente até 2050, o que justifica a antecipação da mudança.

A tragédia da mineração de sal-gema pela Braskem em Maceió

Em Maceió, a capital do estado brasileiro de Alagoas, a mineração de sal-gema pela Braskem, uma grande empresa petroquímica, causou o afundamento e a evacuação de vários bairros, afetando milhares de moradores. O desabamento foi resultado da extração de sal-gema, que provocou a formação de cavidades e, consequentemente, instabilidade no solo, levando a danos significativos em diversas áreas residenciais da cidade.

Os bairros afetados em Maceió são Mutange, Pinheiro, Bebedouro e Bom Parto, com mais de 40 mil moradores impactados. A crise em Maceió ilustra não apenas o impacto físico da mineração, mas também as profundas consequências emocionais e psicológicas sobre os residentes, que perderam não apenas imóveis e bens, mas o seu lugar (entenda-se aqui o sentido geográfico desta palavra).

Forçado a sair de seu lugar, morador deixa seu último suspiro de indignação.

Kiruna e Maceió: realidades distintas

Ambas as cidades enfrentaram desafios significativos devido à mineração, mas as respostas a esses desafios foram distintas. Kiruna adotou uma abordagem proativa, realocando a cidade inteira com a participação da comunidade e planejando usar apenas fontes de energia limpa nas operações de mineração. Em contraste, a população afetada em Maceió luta para garantir apoio psicológico e uma indenização justa e capaz de reparar os danos materiais e morais, algo que parece estar distante do que se vê na prática.

Em Kiruna, a população participou ativamente no planejamento da nova cidade. A LKAB, empresa estatal responsável pela mineração na cidade, atua de forma a realocar e compensar os moradores, antecipando-se ao ocorrido, contrastando com a atuação da Braskem em Maceió, que além de saber dos riscos e tê-los negligenciado, tem uma atuação aquém do que se espera frente aos danos que a empresa causou.

O modelo neoliberal brasileiro X Estado de bem-estar social sueco

A narrativa de “O Abismo” reflete uma ficção distante da realidade de Kiruna, enquanto a verdadeira catástrofe se desenrola em Maceió, onde a população enfrenta o abandono pela Braskem em meio a uma tragédia. A dor e o sofrimento retratados no filme são hoje os sentimentos de milhares de pessoas vítimas do descaso e negligência da Braskem, que foram forçadas a mudarem repentinamente suas vidas, abandonando seus lares e meios de subsistência.

Este cenário destaca o contraste entre o modelo neoliberal brasileiro, marcado pelo lucro corporativo em detrimento da segurança e bem-estar da população, e o Estado de bem-estar social sueco, exemplificado pela proatividade da estatal LKAB em antecipar e mitigar riscos potenciais. A situação em Maceió ilustra as falhas do modelo neoliberal em proteger seus cidadãos, em oposição às medidas adotadas na Suécia, visando o bem-estar coletivo.

O “neoliberAbismo” (termo que faz mais sentido para a doutrina) deixou seu rastro de destruição em Mariana, Brumadinho, e agora em Maceió. A diferença entre as abordagens de Kiruna, gerida por uma empresa estatal, e nos casos citados anteriormente onde uma empresa privada (Vale e Braskem), desempenha um papel central, sublinha a importância de uma governança mais responsável, ética e regulatória na indústria de mineração. Este artigo convoca a uma reflexão urgente sobre a necessidade de práticas de mineração sustentáveis e a reavaliação das prioridades governamentais em relação as grandes corporações extrativistas, de modo a garantir a proteção de seus cidadãos.

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