No dia 17 de setembro, estreou na Netflix a mais nova produção sul-coreana da plataforma. Trata-se da série Round 6 que desde o seu lançamento é um dos assuntos mais comentados, ou seja, um fenômeno que vem chamando atenção do público e o deixando em êxtase.

Com uma trama bastante imersiva, intrigante, bem elaborada e um tanto quanto bizarra, Round 6 faz parte de um artifício adotado pela Coreia do Sul para aumentar a sua influência no mundo, prendendo as pessoas à crescente expansão de seus bens culturais – o que vem dando muito certo a exemplo desta série que já figura entre as mais vistas em diversos países, incluindo o Brasil.

Em seus nove episódios, a atração criada por Hwang Dong-kyuk acompanha um grupo de pessoas que precisa muito de dinheiro e recebe um convite para um jogo brutal. Elas são levadas a um lugar secreto e recebem ordens para o início dessa sinistra competição. Baseados em brincadeiras infantis, os jogos valem uma grande quantia, mas também podem levar esses jogadores à morte.

Mas, afinal, o que esse suspense de tirar o fôlego tem a ver com a Geografia? Confira a seguir alguns temas que podem ser trabalhados a partir da trama! (Contém spoilers!)

Tigres Asiáticos

Assim como a rápida viralização de Round 6, a Coreia do Sul vivenciou um rápido e intenso processo de modernização econômica na década de 1970, tornando-se industrializada. É esse motivo que confere ao país ser denominado como “tigre asiático”.

Além do país ao sul da península da Coreia, Hong Kong, Cingapura e Taiwan também recebem tal denominação, pois têm em comum o acelerado desenvolvimento econômico, industrial e tecnológico apresentado a partir de 1970. O modelo econômico adotado pelos Tigres Asiáticos é essencialmente exportador, com uma política de baixos impostos e maciços investimentos em tecnologia e educação.

País do soft power

Em um mundo globalizado no qual vivemos, os países (e até mesmo pessoas) estão incessantemente em busca de formas para exercer poder perante os outros. Existem várias formas para conseguir isso e o soft power (em tradução livre, poder brando/suave) é uma delas. O soft power é nada mais nada menos que a habilidade de conseguir o que se quer pela atração e não pela coerção ou pagamentos. Surge, portanto, da atratividade de um país por meio de sua cultura, de sua política e de seus ideais.

Quem se apropria com maestria dessa estratégia é a Coreia do Sul graças à Hallyu ou “Onda Coreana”, um fenômeno próprio de popularização pelo mundo através de bens culturais como o K-pop, a K-beauty e os K-dramas ou doramas.

Round 6 se encaixa neste último ao lado de produções como o oscarizado filme Parasita, consolidando ainda mais a Coreia do Sul como o “país do soft power”.

Capitalismo

Voltar-se a atenção para esse tema é, sem dúvidas, a grande cartada da série e que faz o espectador atento perceber logo no primeiro episódio.

O Capitalismo tem como uma de suas características centrais a relação assalariada de produção na qual os trabalhadores, pelas determinações da economia de mercado, vendem sua força de trabalho para sobreviver e, ao mesmo tempo, sustentar o sistema e a quem detém os meios de produção por meio da propriedade privada.

Seu principal objetivo é a obtenção de lucros, proveniente do resultado da acumulação de capital.

No atual contexto mundial, grande parte da sociedade segue os moldes do sistema capitalista, sendo poucas as exceções. E em Round 6 não seria diferente, porém de uma forma muito mais “mortal”, envolvendo todos que assistem.

Na trama, um grupo de pobres endividados é convidado para um jogo de sobrevivência misterioso inspirado em jogos infantis para colocarem as mãos em 45,6 bilhões de wons (cerca de 208,2 milhões de reais em cotação atual) e definitivamente quitarem suas dívidas e melhorarem suas vidas.

No entanto, como nem tudo são flores, precisariam seguir três regras: os jogadores não podem desistir, quem se recusar a jogar será eliminado e a maioria decide quando encerrar o jogo.

O que parecia ser uma brincadeira inocente, e fonte de dinheiro fácil, revela-se uma batalha entre matar ou morrer, dando ênfase a um dos sintomas mais expressivos do capitalismo – a competição.

Quem não consegue cumprir o objetivo da brincadeira imediatamente ganha um tiro na testa, sem chance de vida extra como nos videogames. Já os que sobrevivem avançam para a próxima fase, onde uma nova brincadeira mortal aguarda.

O protagonista Seong Gi-Hun (interpretado por Lee Jung-Jae) em uma das fases do jogo. Seong Gi-Hun é a personificação da perversidade do Capitalismo: um homem endividado e apostador persistente na busca por dinheiro – Reprodução/Netflix
Na ordem em que aparecem na figura, Cho Sang-Woo, Seong Gi-Hun e Kang Sae-Byeok, os finalistas (e sobreviventes) do competitivo jogo em Round 6 – Reprodução/Netflix

Além de mostrar a face competitiva do sistema atuando sobre os jogadores endividados e sedentos pelo capital, Round 6 escancara a desigualdade presente na Coreia do Sul, revelando que, mesmo sendo um país desenvolvido onde o capitalismo funciona “bem” economicamente e que é considerado como modelo a ser seguido por outros países (inclusive pelo Brasil), também está sujeito às contradições inerentes a ele.

Isso se materializa na fala de uma das participantes quando questionada se queria permanecer no jogo: “Lá fora eu vou morrer de qualquer jeito, pelo menos aqui eu tenho uma chance”, dizendo que a desigualdade na Coreia do Sul vivida por ela é ruim o suficiente para que a ideia de matar e morrer por uma chance remota de sucesso pareça aceitável.

Ainda que bem diferente do Brasil, as desigualdades enfrentadas pelos mais pobres em uma sociedade capitalista como a coreana ficam mais perceptíveis quando vemos que muitos sul-coreanos não estão felizes com a situação atual: a OCDE, que reúne os países mais ricos, aponta a Coreia do Sul como um de seus membros com maior desigualdade de renda, onde os mais ricos ganham quatro ou cinco vezes mais do que os mais pobres.

Tal desigualdade é mais claramente notada na população acima de 65 anos. Segundo a OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), metade dos idosos vive na pobreza, o nível mais elevado de todos os países que formam a organização.

Esse desamparo à população idosa é vivido em Round 6 por Oh Il-Nam, o jogador mais velho da competição.

Oh Il-Nam, o 001, vivido pelo ator veterano Oh Young-Soo – Reprodução/Netflix

Meritocracia?

Round 6 também esboça um discurso torto sobre meritocracia – não muito diferente do que estamos acostumados a ver por aí – e uma discussão sobre privilégios, mas felizmente pouco se aprofunda e não compromete em nada a qualidade da trama. Até porque ela se sai melhor mesmo quando discute a crueldade formada em torno de uma sociedade voltada em sua totalidade para o sistema capitalista.

Migração, crise migratória e xenofobia

Vivemos na era da Globalização e é em consequência dela que os fluxos se aceleram pelo mundo, sejam eles de capitais, empresas, mercadorias, investimentos, informações ou até mesmo de pessoas.

Portanto, a migração (em sentido genérico) torna-se uma prática comum do mundo globalizado, sendo definida como o deslocamento populacional de um lugar para o outro, de forma temporária ou permanente.

A origem ou o destino de quem migra definem se a pessoa é imigrante ou emigrante. O indivíduo que entra em um país estrangeiro é denominado imigrante, faz imigração (com “I”); enquanto que o indivíduo que sai de seu país de origem para viver em outro é emigrante, ou seja, faz emigração (com “E”).

São várias as motivações que levam as pessoas a migrarem, estando como objetivo principal a busca por melhores condições de vida.

É o caso, por exemplo, dos chamados “migrantes econômicos” os quais, à procura de uma vida melhor, deslocam-se devido à falta de oportunidades no mercado de trabalho e pobreza em seu país de origem ou pela atratividade do país de destino.

A série sul-coreana acertou em cheio em trazer à tona a temática desses migrantes. Na trama, Abdul Ali (interpretado pelo ator indiano Tripathi Anupam) é um imigrante paquistanês que se mudou para a Coreia do Sul para dar uma vida melhor à família que ficou no Paquistão. Trabalhando em uma fábrica, ele perdeu alguns dedos, mas nunca foi recompensado e, como se não bastasse, encontra-se endividado assim como os demais participantes do jogo.

O ator indiano Tripathi Anupam deu vida em Round 6 a um imigrante do Paquistão, Abdul Ali, sendo considerado seu primeiro papel de destaque – Reprodução/Netflix

Além disso, Round 6 aproxima-se ainda mais do mundo real, que enfrenta uma situação de crise migratória, quando outra personagem (Han Mi-Nyeo) profere insultos xenofóbicos a Abdul Ali. Por xenofobia entende-se o preconceito caracterizado pela aversão ou ódio à estrangeiros que pode estar fundamentado em fatores econômicos, históricos, culturais, religiosos etc.

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